sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Comentário da Vereadora Fernanda Melchionna no sul21


São muitas as formas de governar para interesses privados. Nosso companheiro Marcelo Freixo sempre diz que a ausência de políticas públicas nas periferias cariocas é a verdadeira política de Estado. A omissão é uma forma sutil de entregar patrimônio histórico à especulação imobiliária. É o trágico caso das seis casas da rua Luciana de Abreu, no bairro Moinhos de Vento. As construções da década de 1930, únicas, desenhadas pelo arquiteto alemão Theo Wiederspahn em colaboração com Franz Filsinger, não foram tombadas pela prefeitura. A defesa do tombamento destas casas já existe há pelo menos dez anos em nossa cidade. Recentemente, o Tribunal de Justiça (TJ) autorizou a proprietária dos casarões, a construtora Goldsztein, a demolir as casas para implementar um projeto que prevê a construção de um prédio de 16 andares no lugar. O que a decisão do TJ permite, na verdade, é a demolição de um patrimônio histórico de valor inestimável. São construções únicas na nossa cidade; derrubá-las é apagar parte da nossa memória e da nossa história arquitetônicos em nome dos lucros de construtoras. Além disso, permitir a construção de um prédio com altura muito maior que a média de imóveis no local é contribuir para que, paulatinamente, aumente a altura dos prédios no bairro.
A relação promíscua entre poder público e interesses privados se manifesta de diferentes formas. A indústria imobiliária especula com terrenos, imóveis, áreas e terrenos, esperando por sua valorização, enquanto na mesma cidade milhares de famílias são condenadas à espera interminável pelas soluções dos parcos programas habitacionais. Áreas ambientais são devastadas em nome da sede das “obras da copa” como a duplicação da Avenida Beira Rio quando a prefeitura derrubou 83 árvores nas imediações da Usina do Gasômetro e na Trincheira da Anita. Áreas municipais nobres são leiloadas, projetos especiais que destroem o plano diretor e os padrões urbanísticos da cidade são aprovados, licenciamentos absurdos são concedidos para construir onde se deve preservar e inexiste ainda o necessário IPTU progressivo. Em um cenário ainda mais drástico, até mudanças urbanísticas são feitas para supervalorizar terrenos, como no emblemático caso do Pontal do Estaleiro na Zona Sul, em que a área seria supervalorizada – após a compra, é claro – com a possibilidade de construir espigões residenciais, até então não permitidos pelo Plano Diretor. A mobilização derrotou a construção de residências, mas não teve força para revogar a lei Tarso Genro (então prefeito), que liberou a construção de prédios de serviço e comércio nesta área que devia ser preservada.
No caso da rua Luciana de Abreu, felizmente, o Ministério Público recorreu nesta semana da decisão proferida pela 22ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça, fortalecendo as fileiras dos movimentos que se organizam. Moradores do bairro, estudantes de Arquitetura e Urbanismo, ambientalistas, apoiadores da preservação ambiental, cultural e social estão se mobilizando. No domingo (29/9), centenas de pessoas se reuniram na rua, com música, brechó, poesia e debates para, a partir da ocupação do espaço público, demonstrar a luta pela preservação do bairro e de sua história. Neste caso, mais uma vez o determinante será nossa capacidade de ganhar corações e mentes para a causa. Cabe a nós lutar para que as gerações futuras vejam preservada nossa história. Por outro lado, mais uma vez está na mão do prefeito a caneta para requerer o tombamento das casas e, portanto, inviabilizar qualquer projeto de demolição. Sabemos de que lado eles estão, afinal não fizeram sua parte nos últimos dez anos. Entretanto, na vida somos sujeitos da nossa própria história. Quando o movimento de massas entra em cena, os finais são sempre diferentes dos planejados por quem governa para interesses privados.
Fernanda Melchionna é vereadora do PSOL em Porto Alegre e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal

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