segunda-feira, 6 de julho de 2009

Relato de uma Associada

Cíntia Moscovich é uma de nossas Associadas, engajada em lutas pela melhoria da qualidade de vida no Bairro Moinhos de Vento. Deixa o relato de sua última experiência nas linhas abaixo:

"Vivo há 23 anos na rua Marquês do Herval, no Moinhos de Vento, numa casa que pertence a minha família desde 1976, há 33 anos, portanto. Depois de grandes lutas, trabalho em casa: dou aulas de criação literária e escrevo. Sou vizinha do Grêmio Náutico União e sou também testemunha de que o clube, de forma autoritária, nunca deu importância à vizinhança. Mais de 80 famílias são massacradas com uma massa de sons quando há competições esportivas ou simpósios de educação física nas piscinas ou nos ginásios, fato que gerou uma denúncia acatada pelo Ministério Público e que resultou num inquérito civil, que, por sua parte, gerou um Termo de Ajustamento de Conduta. Foi a primeira vez, em décadas, que o União foi obrigado a disciplnar-se para respeitar a vizinhança. A promotora Ana Maria Marchesan é autora da diligente atitude.

No início de 2008, transferiu-se a creche, que funcionava dentro do clube, para uma casa alugada, ao lado da minha, terrenos que se dividem apenas por um muro. Tudo porque, na sede do clube, onde funcionava a antiga creche, vão construir um estacionamento subterrâneo para 300 carros e uma piscina e mais solário. Já derrubaram um grande bosque de árvores nativas.

A creche estimula as crianças aos gritos e com aparelhagem de som, tambores e apitos. Na minha casa, ninguém mais conseguia ler ou estudar. Muito menos escrever. Os vizinhos, que têm filhos universitários, também sofrem barbaramente. Tive de ingressar com uma ação individual contra o clube e contra a creche, porque ninguém está dentro de nossas casas para saber o que se passa. Em resumo: porque vão fazer uma obra gigantesca, eu sou obrigada a não trabalhar e a suportar a barulheira de 85 crianças.

Em juízo, consegui uma liminar, para que a creche fizesse suas atividades de recreação dentro do razoável. O juiz Dilso Domingos Pereira nos concedeu a liminar. Durante a instrução do processo, descobri que estava com câncer, e a situação se tornou desesperadora. Sofri e ainda sofro as reações à quimioterapia e radioterapia. Numa das ocasiões em que tentei pedir à creche que fizesse silêncio para que eu pudesse descansar, só ouvi deboche e escárnio. Tive muita pena das crianças, que são estimuladas a odiar, mesmo tão pequenas..

Pedi a meus alunos e vizinhos que depusessem e contassem em juízo o que nos estava acontencendo. No Tribunal de Justiça, o União conseguiu suspender a liminar, fato possibilitado por desembargadores que não parecem conhecer nada do caso e que cedem à facilidade do raciocínio: é como se eu, simplesmente, fosse contra a educação de crianças. Mas isso é justo?

Acaba, agora, de sair a sentença, depois de ouvidas dez testemunhas e depois de uma inspeção judicial. Resumindo: a cada vez que a creche levar as crianças para recreação no pátio, a multa é de R$ 5.000,00. O juiz, que veio aqui e viu a realidade das coisas, optou por ser fiel a si mesmo e a um incomum senso de justiça. Constatou que a creche foi instalada em local inadequado, só atendendo à comodidade do clube e nunca pensando na vizinhança. Está sendo, portanto, forçada uma situação que não se sustenta.

Eu tornei realidade o sonho de trabalhar em casa, depois de estudadas reformas no meu imóvel e em minha vida. Resisti às ofertas de imobiliárias e mantive as árvores nativas de meu quintal. E acabo de garantir o direito à vida dentro do que é meu. O União é um clube biliardário que não precisa estar se incomodando com vizinhos, tenho certeza. Bem como, tenho certeza, o desejo de toda a comunidade seja educar as crianças e respeitar seu próximo."

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